sexta-feira, 19 de março de 2010

O motorista

Nos últimos anos do colegial eu ainda estudava no centro da cidade e, portanto, longe de casa. Contudo eu não era o único que tinha de enfrentar horas de espera no ponto de ônibus todos os dias para chegar ao colégio, muitos dos meus colegas também passavam por isso.

Luciana era, sem dúvida, a que mais sofria para chegar até a escola. Ela mora bem longe mesmo e a lotação que ela pegava longe de casa a deixava longe do colégio. Mas isso era apenas um detalhe levando em conta a alegria que ela tinha de estudar ali. Era tão só uma aventura diária que, por vezes, nos rendiam boas gargalhadas.
Entre uma e outra conhecemos “o motorista” de uma das linhas que ela podia pegar para ir à escola. No começo não sabíamos o nome dele e por isso ele era, ainda, apenas “O” motorista.

A principio minha amiga se encantou com ele, porque... porque... bem, ela não é muito normal. Ele tinha o tipo físico de uns trinta anos e devia ser mesmo, acho que era baixo por que isso não dava pra ter certeza, era magro, cabelo cortado no estilo militar, olhos escuros, dedos finos e aliança no dedo anelar direito. Este último item leva a crer que ele era casado, mas tudo bem, ao que parecia minha amiga não tinha ciúmes.

Todas as vezes que ela apanhava o ônibus com ele ficava contemplando a figura do sujeito pelo retrovisor. Ele tinha um jeito meio abobalhado e soltava risinhos, vez por outra, acho que ele sabia que ela estava olhando pra ele. Aborrecia-se com engarrafamentos, mas procurava relaxar com uma boa música gospel. Sim, ele louvava.

Ele era calmo, tranqüilo e procurava acomodar bem os passageiros, sobretudo na hora do almoço. A confusão começava justamente por aí: ônibus lotado não era com ele. O povo até reclamava, mas ele nem ligava, fazia o caminho dele, sonhava uma vida diferente, ser um caminhoneiro talvez. As estradas eram seu sonho, e as ruas e avenidas sua realidade.

Toda noite a família o esperava em casa, o chefe da família, e, todas as manhãs, aquela adolescente esperava no ponto de ônibus pelo homem dos seus sonhos. Às vezes ele esperava por ela também.

Um dia descobri que o nome dele era José Augusto, e consegui até uma foto dele. Era o Zé, o motorista de poucos inimigos, alguns amigos e muitas histórias de recreio de colégio.

Hoje faz mais de um ano que concluímos o ensino médio. A Luciana está fazendo cursinho por que ano passado não deu pra ela no vestibular. Arrumou um namorado e pintou a franja de do cabelo de vermelho, seus pais se separaram e ela mudou de cidade. Mas e o Zé? Eu também me perguntava assim, até pouco tempo atrás.

Eu também mudei de cidade há pouco mais de um mês. Vim pra Manaus no voo 1831 e tive a impressão de ouvir uma voz conhecida que disse assim:

- Boa noite senhores passageiros, bem-vindos ao voo 1831 com destino à Manaus, aqui quem fala é o Comandante José Augusto, mas podem me chamar de Zé.

Nenhum comentário:

Postar um comentário