Nesses vinte anos de magistérios eu já me deparei com histórias que realmente mexeram comigo, mas acho que nenhuma outra mexeu tanto quanto a do Zezé. Era um menino de uma vida muito sofrida, morava com a avó, pois a mãe havia fugido de casa e o pai entregou-se a bebida.
A avó não tinha condições de sustentar a si e ao neto apenas com o dinheiro da aposentadoria, as necessidades eram muitas e o menino tinha que trabalhar pra ajudar na renda. Ele trabalhava numa feirinha que tinha perto da escola, de manhã cedo já estava lá. Sempre cruzava com ele no caminho até o colégio.
À tarde, Zezinho estava na escola, era um menino esforçado em tudo que fazia, o esforço, a dedicação e a dignidade eram as poucas coisas que lhe restavam na vida desafortunada que levava.
Todos os colegas gostavam muito dele, com excessão do Ricardo. Nunca entendi ao certo por que não gostava de Zezinho, simplesmente não gostava, o tratava mal e sempre que podia o expunha a situações humilhantes. Eram duas crianças, mas o sentimento de desprezo de Ricardo era o de um adulto.
Ricardo tinha muito, mas era um menino vazio. Os pais, ao que me parecia, não eram presentes, ele era criado por uma babá. Talvez por isso tivesse inveja do pouco de Zezé, que vinha carregado de muito amor e carinho.
Pra ver como a vida é mesmo cheia de surpresas, Zezé acabou sendo acometido de grave tuberculose, que pela falta de conhecimento e diagnostico foi envoluindo e atingiu um patamar extremamente grave. Ele foi definhando até o último resquicio de vida e alegria que havia nele. A partir daí todos os esforços para reaver-lhe a saúde foram inúteis. Zezinho morreu às vésperas de completar 11 anos.
Todos ficamos muito consternados, aquele rapazinho de uma vida tão difícil era pra nós uma motivação a nunca perder a esperança. Sei que ele teria ido muito longe se não fosse a maldita tuberculose.
Tão logo começaram a aparecer flores costantemente na carteira do Zezinho, que ninguém ousou ocupar após usa morte. Todos dias flores bonitas e bem vivas estavam sobre o assento. Pouco depois soubemos que Ricardo era o autor daquele gesto.
Acho que assim como nós, ele também admirava a figura daquele menino.
Agora, depois de tantos anos, não sei onde anda o Ricardo, da última vez que tive notícias soube que estava fazendo faculdade de psicologia. Talvez tenha casado, e até já seja papai. Mas de uma coisa tenho certeza, o Zezinho fará parte de nossas vidas para sempre.